A uns meses atrás o grupo das viagens de carro enviou-nos um e-mail provocativo a falar de uma viagem ao Kwanza-Norte*, mais propriamente no município de Cambambe e para ser mais especifico ainda, a Localidade de Massangano. Uma viagem curta, de carro, para bem pertinho de Luanda. Segundo eles não seria necessário mais do que um fim-de-semana.
Confesso que o facto de ser perto de Luanda e não ser necessário mais do que dois dias atraiu-me logo, por isso confirmei a minha presença. Depois li que seria uma viagem mais histórica, já que íamos atrás do que restavam de relíquias do nosso passado - aí nasceu o verdadeiro interesse, mas confesso que nada por aí além. Julgava eu que seria algo muito simples, até porque o nome Massangano não fazia soar nada na minha memória das aulas de história.
No dia programado saímos de Luanda rumo ao Dondo, com uma breve paragem por Catete para tomar o pequeno-almoço. Já pertinho do Dondo, aproximadamente a 25 Km, fizemos um desvio onde encontramos uma placa que dizia, Santuário de Nossa Senhora da Victoria de Massangano. Confesso que nunca havia ouvido falar deste Santuário e por esta razão ia ficando cada vez mais intrigada... Mas que "raio", dizia para mim, como poderia nunca ter ouvido falar?
Continuamos por uma estrada de terra batida, que em alguns pontos o capim quase que cobre a estrada, escondendo aquele ponto tão importante da nossa história. Passamos a caminho por vilas quase abandonadas, outras perdidas no tempo. A população via-nos passar e olhava para nós com o olhar inquisidor, pois éramos onze carros a "desbravar" uma trilha rumo a nenhures.
Depois de quase desbravarmos aquela estrada eis que nos surge a placa a dizer Massangano. Chegamos! Sem ter noção do que nos esperava, eis que nos surge do lado esquerdo as primeiras relíquias da nossa história, um poste de iluminação! e do nosso lado direito um monumento que nos deixou logo em transe - as ruínas do Tribunal e casa de reclusos. A pergunta que se formou na minha cabeça: "que lugar é este e porquê tão esquecido?
Poste de Iluminação
Tribunal e Casa de Reclusos
Para nos apresentar a história desta localidade e desvendar a história associada tivemos o prazer de conhecer o Catequista Miguel da Igreja de Nossa Senhora da Victória de Massangano.
O mesmo começou por nos explicar a razão do nome da aldeia, explicando que quando Paulo Dias de Novais chegou a local, na sua viagem a procura das lendárias minas de prata, encontrou algumas mulheres a pisar o milho para fazer a fuba de milho, e questionou-as sobre o nome do local. As mesmas que não entendiam português julgaram que o mesmo estava a perguntar o que estavam a fazer, tendo por isso respondido na Língua Nacional Kimbundu “massa
n’gana”, tendo por isso assumido ser este o nome da Aldeia. O nome original da aldeia era N’Guimbi ya Songo.
Findo algum tempo claro que foi desvendado que na realidade o nome do Aldeia não era Massangano mas sim N'Guimbi ya Songo. A questão que se coloca é, porque não se voltou a alterar? A pois é, como é bela a nossa história. Esta aldeia fazia parte do Reino do Ndongo, que era um Reino "rival" ao do Reino do Congo, e como o nome Songo se aproximava de Congo, optou-se por manter-se o nome Massangano, para não confundir os aliados.
Paulo Dias de Novais acabou por ficar interessado no local devido a sua localização, já que é nesta região que o Rio Kwanza e o Rio Lucala (Rio das Quedas de Kalandula) se encontram, logo era um ponto estratégico de ligação a Luanda e ao interior do País. Assim sendo, em 1583 foi contruído o Forte (ou Fortaleza) de Massangano e a cidade passou a ser a base dos Portugueses durante as explorações que os mesmos levavam a cabo para o interior do país, a procura das minas e para a captura dos escravos.
Por esta razão, podemos encontrar nesta mesma região, um mercado de escravos, onde os escravos eram baptizados, dado nomes portugueses, expostos e comercializados, principalmente para o Brasil. Após a venda os mesmos eram metidos em barcos e desciam o Kwanza, rumo a Luanda para serem postos em navios negreiros para a America.
Paulo Dias de Novais tendo não só se apaixonado pelo local,, construiu a sua casa e reza e também encontrou o seu amor por uma local. Teve uns anos longe, pois teve de voltar a Portugal a busca de mais recursos, mas voltou para Massangano onde acabou por morrer em 1589 e foi enterrado, junto a Igreja de Nossa Senhora da Victoria de Massangano.
Contudo, apesar da tumba continuar aí exposta o seu corpo foi transladado. A quem diga que para Portugal outros dizem que para Luanda, para a Igreja de Jesus, na Cidade Alta.
No Século XVII com a ocupação de Luanda pelos Holandeses, de 1641 a 1648, os portugueses foram forçados a subir o Rio Kwanza e Massangano foi durante este período a Capital de Angola.
Durante a presença portuguesa em Massangano foram construidos no Local, o tribunal e casa de reclusos, uma cadeia onde ficavam os presos condenados a prisão "perpétua" - esta era um edifício subterrâneo que devido aos anos e a falta de cuidado desapareceu, a Câmara Municipal, a Igreja de Nossa Senhora das Vitórias (que serviu como Catedral durante a ocupação de Luanda), a Fortaleza e o mercado de escravos, entre outros que já não há sinais.
Resumindo para não estar aqui a debitar toda a aula de história que recebemos, Massangano é um local repleto de história que se está a perder, mas que ainda vamos a tempo de resgatar. Mas queremos?
Após a visita a estes locais rumamos até a Margem do Lucala, onde o nosso barco nos aguardava para prosseguirmos com o nosso roteiro. A surpressa é que iamos navegar o Lucala até junto a uma ilha no meio do rio, onde nos seria servido o almoço. Foi uma viagem magnífica de aproximadamente 1 hora, rodeados por uma paisagem única por desbravar. Confesso que, foi a primeira vez que naveguei por um rio em Angola e posso dizer que valeu muito mais que todas as outras. Tivemos a oportunidade de ir vendo enquanto navegavamos o mercado, a fortaleza e a câmara municipal, já que estes edifícios estão todos voltados para o rio.
Postos na ilha encontramos uma casa antiga, ainda em muito bom estado mas abandonada. Com algumas aldeias a volta. Para as crianças destas aldeias, esta casa e seus anexos serviam como espaço de brincadeira. Após o almoço, voltamos para o barco e fomos brindados pelo mais belo Pôr-do-Sol que alguma vez vi. Já vi bastantes, sou apaixonada por eles, mas aquele foi de cortar a respiração.
Para a nossa surpresa, não voltamos para o mesmo ponto, paramos antes, mesmo por baixo da enconsta onde se situava a Câmara Municipal. E a aventura foi.... trilhar o caminho que a população faz para ir buscar água ao rio. Sim, rumamos enconsta acima, melhor escalamos enconsta acima guiados pelas crianças da aldeia que se divertiam connosco, com a nossa dificuldade de trepar e percorrer a encosta e o nosso medo. A diferença gritante entre nós e eles ... eles trepavam a encosta com baldes cheios de água que os mesmos foram buscar ao rio, numa rápidez inacreditável.
Uau um exemplo de força, de garra que nós que vivemos na cidade não temos e facilmente nos esquecemos que para lá da nossa realidade há uma outra bem mais dura.
Após subirmos a enconsta fomos caminhado com as crianças até aos carros. Saímos da Aldeia já de noite e foi aí que o tive a oportunidade de ver algo que a muito não tinha a oprtunidade de ver. Um Céu tão estrelado que as estrelas "lutavam" entre si a procura de um espaço para poderem brilhar. Um Céu tão preenchido, tão cheio de força, enfim tão mágico.... a última vez que vi um Céu assim em Angola foi no Lubango, mas já lá vão uns 10 anos... agora com a poluição, já não avistamos esta beleza.
Rumamos para o Dondo para finalmente repousar. No dia seguinte, a aventura era até ao Rápidos de Kabalo. Para lá chegar saímos do Dondo no desvio que para Kapanda e Pedras Negras de Pungo-N-Dongo (Pungo Andongo). Andamos cerca de 1 hora numa estrada de terra batida até que desviamos numa aldeia, seguimos por um trilho, com alguns troços em mal estado, com a vegetação a querer esconder o caminho e depois de muito andar foi aí que chegamos a uma ponte enorme, magestosa que tem anos e qe continua em óptimo estado - nem parece ser uma construção tão antiga e sem qualquer manutençao. E foi aí, enquanto percorriamos a ponte que se ouviu em unissóno, pelo menos no nosso carro, UAU!!!!!
O que viamos tanto de um lado como outro era maravilhoso. Esta terra é extremamente abençoada, com as mais belas paisagens naturais que se pode imaginar. Mas está tudo tão perdido, esquecido que ou se tem vontade de ir a aventura ou se perde tanta maravilha. Eu optei por ir a aventuda.
Ficamos por ali maravilhados a tirar fotos, descemos ou tentamos descer pela ponte para chegar mais perto do Rio. Tivemos de parar! Os locais avisaram-nos que por debaixo da ponte, nas Pedras , no Rio ainda haviam minas, e aí a realidade voltou, o país esteve em guerra ainda há vestígios da mesma. Cautelosamente voltamos, pisando nos mesmos sítios por onde haviamos passado.
Aproveitamos mais um pouco do local e de seguida voltamos a entrar para os carros, rumando para o Dondo para comermos a beira do Rio. Confesso que esta parte não é das minhas preferidas , mas entrando no espiríto lá fomos. Após o almoço a aventura era voltarmos para Luanda, e assim foi, até porque tinha de ser assim.
Foi uma boa viagem, pequenina mas repleta de história e beleza. Serviu para desvendar um pouco mais do enigma que é Angola. Recomendo, pois não se vão arrepender.
Findo algum tempo claro que foi desvendado que na realidade o nome do Aldeia não era Massangano mas sim N'Guimbi ya Songo. A questão que se coloca é, porque não se voltou a alterar? A pois é, como é bela a nossa história. Esta aldeia fazia parte do Reino do Ndongo, que era um Reino "rival" ao do Reino do Congo, e como o nome Songo se aproximava de Congo, optou-se por manter-se o nome Massangano, para não confundir os aliados.
Paulo Dias de Novais acabou por ficar interessado no local devido a sua localização, já que é nesta região que o Rio Kwanza e o Rio Lucala (Rio das Quedas de Kalandula) se encontram, logo era um ponto estratégico de ligação a Luanda e ao interior do País. Assim sendo, em 1583 foi contruído o Forte (ou Fortaleza) de Massangano e a cidade passou a ser a base dos Portugueses durante as explorações que os mesmos levavam a cabo para o interior do país, a procura das minas e para a captura dos escravos.
Fortaleza de Massangano
1ª Câmara Municipal de Massangano
Por esta razão, podemos encontrar nesta mesma região, um mercado de escravos, onde os escravos eram baptizados, dado nomes portugueses, expostos e comercializados, principalmente para o Brasil. Após a venda os mesmos eram metidos em barcos e desciam o Kwanza, rumo a Luanda para serem postos em navios negreiros para a America.
Paulo Dias de Novais tendo não só se apaixonado pelo local,, construiu a sua casa e reza e também encontrou o seu amor por uma local. Teve uns anos longe, pois teve de voltar a Portugal a busca de mais recursos, mas voltou para Massangano onde acabou por morrer em 1589 e foi enterrado, junto a Igreja de Nossa Senhora da Victoria de Massangano.
Contudo, apesar da tumba continuar aí exposta o seu corpo foi transladado. A quem diga que para Portugal outros dizem que para Luanda, para a Igreja de Jesus, na Cidade Alta.
No Século XVII com a ocupação de Luanda pelos Holandeses, de 1641 a 1648, os portugueses foram forçados a subir o Rio Kwanza e Massangano foi durante este período a Capital de Angola.
Durante a presença portuguesa em Massangano foram construidos no Local, o tribunal e casa de reclusos, uma cadeia onde ficavam os presos condenados a prisão "perpétua" - esta era um edifício subterrâneo que devido aos anos e a falta de cuidado desapareceu, a Câmara Municipal, a Igreja de Nossa Senhora das Vitórias (que serviu como Catedral durante a ocupação de Luanda), a Fortaleza e o mercado de escravos, entre outros que já não há sinais.
Resumindo para não estar aqui a debitar toda a aula de história que recebemos, Massangano é um local repleto de história que se está a perder, mas que ainda vamos a tempo de resgatar. Mas queremos?
Após a visita a estes locais rumamos até a Margem do Lucala, onde o nosso barco nos aguardava para prosseguirmos com o nosso roteiro. A surpressa é que iamos navegar o Lucala até junto a uma ilha no meio do rio, onde nos seria servido o almoço. Foi uma viagem magnífica de aproximadamente 1 hora, rodeados por uma paisagem única por desbravar. Confesso que, foi a primeira vez que naveguei por um rio em Angola e posso dizer que valeu muito mais que todas as outras. Tivemos a oportunidade de ir vendo enquanto navegavamos o mercado, a fortaleza e a câmara municipal, já que estes edifícios estão todos voltados para o rio.
Postos na ilha encontramos uma casa antiga, ainda em muito bom estado mas abandonada. Com algumas aldeias a volta. Para as crianças destas aldeias, esta casa e seus anexos serviam como espaço de brincadeira. Após o almoço, voltamos para o barco e fomos brindados pelo mais belo Pôr-do-Sol que alguma vez vi. Já vi bastantes, sou apaixonada por eles, mas aquele foi de cortar a respiração.
Para a nossa surpresa, não voltamos para o mesmo ponto, paramos antes, mesmo por baixo da enconsta onde se situava a Câmara Municipal. E a aventura foi.... trilhar o caminho que a população faz para ir buscar água ao rio. Sim, rumamos enconsta acima, melhor escalamos enconsta acima guiados pelas crianças da aldeia que se divertiam connosco, com a nossa dificuldade de trepar e percorrer a encosta e o nosso medo. A diferença gritante entre nós e eles ... eles trepavam a encosta com baldes cheios de água que os mesmos foram buscar ao rio, numa rápidez inacreditável.
Uau um exemplo de força, de garra que nós que vivemos na cidade não temos e facilmente nos esquecemos que para lá da nossa realidade há uma outra bem mais dura.
Após subirmos a enconsta fomos caminhado com as crianças até aos carros. Saímos da Aldeia já de noite e foi aí que o tive a oportunidade de ver algo que a muito não tinha a oprtunidade de ver. Um Céu tão estrelado que as estrelas "lutavam" entre si a procura de um espaço para poderem brilhar. Um Céu tão preenchido, tão cheio de força, enfim tão mágico.... a última vez que vi um Céu assim em Angola foi no Lubango, mas já lá vão uns 10 anos... agora com a poluição, já não avistamos esta beleza.
Rumamos para o Dondo para finalmente repousar. No dia seguinte, a aventura era até ao Rápidos de Kabalo. Para lá chegar saímos do Dondo no desvio que para Kapanda e Pedras Negras de Pungo-N-Dongo (Pungo Andongo). Andamos cerca de 1 hora numa estrada de terra batida até que desviamos numa aldeia, seguimos por um trilho, com alguns troços em mal estado, com a vegetação a querer esconder o caminho e depois de muito andar foi aí que chegamos a uma ponte enorme, magestosa que tem anos e qe continua em óptimo estado - nem parece ser uma construção tão antiga e sem qualquer manutençao. E foi aí, enquanto percorriamos a ponte que se ouviu em unissóno, pelo menos no nosso carro, UAU!!!!!
O que viamos tanto de um lado como outro era maravilhoso. Esta terra é extremamente abençoada, com as mais belas paisagens naturais que se pode imaginar. Mas está tudo tão perdido, esquecido que ou se tem vontade de ir a aventura ou se perde tanta maravilha. Eu optei por ir a aventuda.
Ficamos por ali maravilhados a tirar fotos, descemos ou tentamos descer pela ponte para chegar mais perto do Rio. Tivemos de parar! Os locais avisaram-nos que por debaixo da ponte, nas Pedras , no Rio ainda haviam minas, e aí a realidade voltou, o país esteve em guerra ainda há vestígios da mesma. Cautelosamente voltamos, pisando nos mesmos sítios por onde haviamos passado.
Aproveitamos mais um pouco do local e de seguida voltamos a entrar para os carros, rumando para o Dondo para comermos a beira do Rio. Confesso que esta parte não é das minhas preferidas , mas entrando no espiríto lá fomos. Após o almoço a aventura era voltarmos para Luanda, e assim foi, até porque tinha de ser assim.
Foi uma boa viagem, pequenina mas repleta de história e beleza. Serviu para desvendar um pouco mais do enigma que é Angola. Recomendo, pois não se vão arrepender.
*Sou do tempo que Kwanza-Norte se escrevia com K e não com C como recentemente "inventaram". Assim como Kwanza-Sul, Kuando-Kubango, Kunene, logo recuso-me a escrever o nome destas províncias com C.