Ontem estava num concerto de Piano e Canto, a delirar com aquela beleza, beleza da arte de bem cantar e bem tocar, quando a minha mente começou a divagar, o que é normal enquanto oiço música clássica.
Divaguei não para muito longe, na realidade continuei por Luanda. Lembrei-me que a algumas semanas tinha ido jantar a um restaurante francês e neste dia o chef tinha vindo de França e brindou-nos com belos pratos em que aliou a culinária francesa aos sabores tão típicos de Angola. Uma fusão que resultou em algo magnifique.
Mas ao lembrar-me desta noite em que a comida sabia a França e embalada pelo som do piano e da voz maravilhosa da Mezzo Soprano, lembrei-me também da carência do meu povo, lembrei-me das crianças que morrem nos hospitais porque faltam os medicamentos, os materiais hospitalares e até falta enfermeiros e médicos.
Lembrei-me, e não podia não deixar de me lembrar, do lixo que se acumula em todas as esquinas e todos os cantos, das águas paradas, mesmo não estando a chover, lembrei-me que o glamour que estava a viver nesta noite me distanciava dos milhões de angolanos que viviam em condições precárias.
E com este pensamento cheguei-me a sentir culpada. Será que faço o suficiente para ajudar o meu povo? Será que o dinheiro que paguei pelo jantar e pelo conserto não poderia ter usado para ajudar alguém? Será que me estava a tornar insensível a realidade do meu país? Será? Será? E os serás foram se acumulando na minha mente, preenchendo a minha alma.
Mas nos serás também surgiam respostas incompletas que tentavam acalmar a minha alma, que tentavam me fazer acreditar que fazia a minha parte, que não me deveria sentir culpada por ter a oportunidade de usufruir daquele momento.
Sei que poderia/posso fazer mais do que faço para ajudar o meu povo, sei que poderia/posso ser mais participativa e não vou andar por aqui a inventar desculpas para justificar o porquê de não o fazer. A mudança começa em nós e todos nós temos a possibilidade de ajudar na mudança, basta querer.
Como tive a oportunidade de escrever para um grupo de amigos, somos uma pequena gota de água, mas se todas estas gotas se unirem, poderemos não criar um oceano de solidariedade mas de certeza que conseguiremos criar uma lagoa.
Luanda e os seus contrastes, como a beleza de uma noite nos atinge perante a fealdade do que vai acontecendo não só as noites, mas também durante o dia, em todos os bairros em todas as esquinas...
Nos bairros não se ouve o canto de uma mezzo soprana nem o som do piano, ouve-se o choro de uma mãe, de um pai impotentes perante a situação, desesperados perante o vazio da perda... privilegiados somos nós que ouvimos um canto diferente, mas o facto de sermos privilegiados não nos deve tornar surdos para a dor. Privilegiados somos nós que degustamos sabores viajados, mas não nos podemos tornar cegos perante a carência que se tornou inquilina destas casas.
Luanda e os seus contrastes... é assim a cidade onde vivo. Se tenho orgulho? Não, não tenho. Tenho orgulho do país que Deus criou para nós, lindo. Mas não tenho orgulho de saber que 99% dos meus irmãos sofrem...Vou continuar a ser uma gota, isto recuso-me a deixar de ser... um dia posso vir a ser uma lagoa.
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